sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Hino a Pã

      Vibra do cio subtil da luz,
      Meu homem e afã
      Vem turbulento da noite a flux
      De Pã! Iô Pã!
      Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
      Vem da Sicília e da Arcádia vem!
      Vem como Baco, com fauno e fera
      E ninfa e sátiro à tua beira,
      Num asno lácteo, do mar sem fim,
      A mim, a mim!
      Vem com Apolo, nupcial na brisa
      (Pegureira e pitonisa),
      Vem com Artêmis, leve e estranha,
      E a coxa branca, Deus lindo, banha
      Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
      Manhã malhada da àmbrea fonte!
      Mergulha o roxo da prece ardente
      No ádito rubro, no laço quente,
      A alma que aterra em olhos de azul
      O ver errar teu capricho exul
      No bosque enredo, nos nás que espalma
      A árvore viva que é espírito e alma
      E corpo e mente - do mar sem fim
      (Iô Pã! Iô Pã!),
      Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
      Meu homem e afã!
      Vem com trombeta estridente e fina
      Pela colina!
      Vem com tambor a rufar à beira
      Da primavera!
      Com frautas e avenas vem sem conto!
      Não estou eu pronto?
      Eu, que espero e me estorço e luto
      Com ar sem ramos onde não nutro
      Meu corpo, lasso do abraço em vão,
      Áspide aguda, forte leão -
      Vem, está fazia
      Minha carne, fria
      Do cio sozinho da demonia.
      À espada corta o que ata e dói,
      Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
      Dá-me o sinal do Olho Aberto,
      E da coxa áspera o toque erecto,
      Ó Pã! Iô Pã!
      Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
      Sou homem e afã:
      Faze o teu querer sem vontade vã,
      Deus grande! Meu Pã!
      Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
      Do aperto da cobra.
      A águia rasga com garra e fauce;
      Os deuses vão-se;
      As feras vêm. Iô Pã! A matado,
      Vou no corno levado
      Do Unicornado.
      Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
      Sou teu, teu homem e teu afã,
      Cabra das tuas, ouro, deus, clara
      Carne em teu osso, flor na tua vara.
      Com patas de aço os rochedos roço
      De solstício severo a equinócio.
      E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
      Sempiterno, mundo sem termo,
      Homem, homúnculo, ménade, afã,
      Na força de Pã.
      Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!


                Traduzido por Fernando Pessoa de Aleister Crowley

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