quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Conto: A roupa nova do Rei - O Rei está nú!

 Há muitos e muitos anos havia um Imperador tão
apaixonado pelas roupas novas, que gastava com elas
todo o dinheiro que possuía. Pouco se incomodava
com seus soldados, com o teatro ou com os passeios
pelos bosques, contanto que pudesse vestir seus trajes.
Tinha um para cada hora do dia, e, ao invés de se
dizer dele o que se diz de qualquer imperador: Está
na Câmara do Conselho, dizia-se sempre a mesma
coisa: O Imperador está se vestindo.
Na capital em que ele vivia, a vida era muito alegre;
todos os dias chegavam multidões de forasteiros para
visitá-la, e, entre eles, certa ocasião chegaram dois
vigaristas. Fingiram-se de tecelões, dizendo-se capazes
de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo.
E não somente as cores e os desenhos eram magníficos
como também os trajes que se faziam com aqueles
tecidos possuíam a qualidade especial de serem
invisíveis para qualquer pessoa que não tivesse as
qualidades necessárias para desempenhar suas fun-
ções e também que fossem muito tolas e presunçosas.
- Devem ser trajes magníficos - pensou o Imperador.
- E se eu vestisse um deles, poderia descobrir todos
aqueles que em meu reino carecessem das qualidades
necessárias para desempenhar seus cargos. E
também poderei distinguir os tolos dos inteligentes.
Sim, estou decidido a mandar tecer uma roupa para
mim, a qual me servirá para tais descobertas.
Entregou a um dos tecelões uma grande quantia como
adiantamento, a fim de que o dois pudessem começar
imediatamente com esperado trabalho.
Os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram
entregar-se ao trabalho de tecer mas o certo é que no
mesmo não havia nenhum fio nas lançadeiras. Antes
de começar pediram uma certa quantidade da seda
mais fina e fio de ouro da maior pureza e guardaram
tudo em seus alforjes e depois começaram a trabalhar,
isto é, fingindo fazê-lo, com os teares vazios.
- Gostaria de saber como vai o trabalho dos tecelões
- pensou um dia o bondoso Imperador.
Todavia, ficou um tanto aflito ao pensar que alguém
que fosse tolo ou não estivesse capacitado para exercer
sua função, não poderia ver o tecido. Não temia
por si mesmo, mas achou mais prudente enviar uma
outra pessoa, para que lhe desse conta daquilo.
Todos os habitantes da cidade conheciam as maravilhosas
qualidades do tecido em questão, e todos,
também, desejavam saber, por esse meio, se seu vizinho
ou amigo era um tolo.
- Mandarei meu fiel primeiro ministro visitar os tecelões
- pensou o Imperador. Será o mais capacitado
para ver o tecido, porque é um homem muito hábil e
ninguém cumpre seus deveres melhor do que ele.
E assim o bom e velho primeiro ministro se dirigiu
para o aposento em que os vigaristas trabalhavam
nos teares completamente vazios.
- Deus me proteja! - pensou o ancião, abrindo os bra-
ços e os olhos. - Mas se eu não vejo nada!
No entanto, evitou dizer.
Os dois vigaristas pediram-lhe que fizesse o favor de
aproximar-se um pouco mais e rogaram-lhe que desse
a sua opinião a respeito do desenho e do colorido do
tecido. Mostraram o tear vazio e o pobre ministro, por
mais que se esforçasse para ver, não conseguia enxergar
coisa alguma, porque não havia nada para ver.
- Deus meu! - pensava. - Será, possível que eu seja
tão tolo assim? Nunca me pareceu e é preciso que
ninguém o saiba. Talvez eu não esteja capacitado a
desempenhar a função que ocupo. O melhor será fingir
que estou vendo o tecido.
- Não quer dar a sua opinião, senhor? - perguntou um
dos falsos tecelões.
É muito lindo! Faz um efeito encantador - exclamou o
velho ministro, fitando através de seus óculos. - O
que mais me agrada são o desenho e as maravilhosas
cores que o compõem. Asseguro-lhes que daremos
conta ao Imperador do quanto gosto de seu trabalho,
muito bem aplicado e lindíssimo.
- Ficamos muito honrados em ouvir tais palavras de
vossos lábios, senhor ministro replicaram os tecelões.
Começaram então a dar-lhe detalhes do complicado
desenho e das cores que o formavam. O ministro ouviu-os
com a maior atenção, com a ideia de poder
repetir suas palavras quando estivesse na presença
do Imperador A seguir os dois vigaristas pediram mais
dinheiro, mais seda e mais fio de ouro, para que pudessem
prosseguir com o trabalho. Porém, assim que receberam o
solicitado, guardaram-no como antes. Nem um só fio
foi colocado no tear, embora eles fingissem continuar
trabalhando apressadamente.
O Imperador enviou outro fiel cortesão para dar-se
conta dos progressos do trabalho dos falsos tecelões
e a fim de saber se eles demorariam muito para entregar
o tecido. A este segundo enviado aconteceu a
mesma coisa que o primeiro ministro, isto é, mirou e
remirou o tear vazio, sem ver tecido algum.
- Não acha que é uma fazenda maravilhosa? - perguntaram
os vigaristas mostrando e explicando um desenho
imaginário e um colorido não menos fantástico,
que ninguém conseguia ver.
- Sei que não sou tolo - pensava o cortesão; - mas se
não vejo o tecido, é porque não devo ser capaz de
exercer minha função à altura da mesma. Isso me
parece estranho. Mas é melhor não dar a perceber
esse fato.
Por esse motivo falou no tecido que não via e manifestou
seu entusiasmo pelo colorido maravilhoso e
pelos originais desenhos.
- Ali está algo realmente encantador, disse mais tarde
ao Imperador, quando prestou contas de sua visita.
Por sua vez, o Imperador achou que devia ir ver o
famoso tecido, enquanto ainda estivesse no tear. E
assim, acompanhado por um escolhido grupo de cortesões,
entre os quais se encontravam o primeiro
ministro e o outro palaciano, que haviam fingido ver o
tecido, foi fazer uma visita aos falsos tecelões, que
com o maior cuidado trabalhavam no tear vazio, em
meio à maior seriedade.
- É magnífico! - exclamaram o primeiro ministro e o
palaciano. - Digne-se Vossa Majestade a olhar para o
desenho. Que cores maravilhosas!
E apontavam para o tear vazio, pois não tinham dúvidas
de que as outras pessoas viam o tecido.
- Mas o que é isto? - pensou o Imperador. - Não estou
vendo nada! Isso é terrível! Serei um tolo? Não terei
capacidade para ser Imperador? Certamente não poderia
acontecer-me nada pior.
- É realmente uma beleza! - exclamou logo depois. -
o tecido merece a minha melhor aprovação.
Manifestou a sua aprovação por meio de alguns gestos,
enquanto olhava para o tear vazio, pois ninguém
poderia induzi-lo a dizer que não via coisa alguma.
Todos os outros cortesões olhavam por sua vez. Mas
não viam nada. Porém, como nenhum queria dar parte
de tolo ou de incapaz, fizeram coro com as palavras
de Sua Majestade.
- É uma beleza! - exclamaram em coro.
E aconselharam o Imperador que mandasse fazer uma
roupa com aquele tecido maravilhoso, a fim de estreá-
la numa grande procissão que devia realizar-se daí a
alguns dias.
Os elogios corriam de boca em boca e todos estavam
entusiasmados. E o Imperador condecorou os dois
vigaristas com a ordem dos cavaleiros, cuja insígnia
poderiam usar e concedeu-lhes o título de Cavaleiros
Tecelões.
Os dois vigaristas ficaram a noite toda trabalhando, à
luz de dezesseis velas, na noite anterior ao dia da
procissão; desejavam que todos testemunhassem o
grande interesse que eles demonstravam em terminar
a roupa do soberano.
Fingiram tirar a fazenda do tear, cortaram-na com tesouras
enormes e costuraram-na com agulhas sem
linha de espécie alguma. Finalmente disseram:
- Já está pronto o traje de Sua Majestade.
o Imperador, acompanhado por seus mais nobres cortesões,
foi novamente visitar os vigaristas, e um deles,
levantando um braço, como se segurasse uma
peca de roupa, disse:
- Aqui estão as calças. Este é o colete. Veja Vossa
Majestade o casaco. Finalmente, dignai-vos a examinar
o manto.
Estas peças pesam tanto quanto uma teia de aranha.
Quem as usar mal sentirá o seu peso. E esta é uma de
suas maiores Idades.
Todos os cortesões concordaram, mesmo irão vendo
coisa alguma, pois na realidade não havia rida para
ver, já que nada havia.
- Dignai-vos tirar o traje que leva
Disse um dos falsos tecelões - e assim poderá experimentar
a roupa nova na frente do espelho.
E o Imperador tirou a roupa que vestia e os impostores
fingiram entregar-lhe sucessivamente e ajudá-lo
a vestir cada uma das peças que compõem um traje.
Fingiram colocar algo ao redor de sua cintura e o Imperador,
nesse meio tempo, virava-se uma vez ou outra
para o espelho, a fim de contemplar-se.
- Que bem assenta este traje em Sua Majestade. Como
está elegante. Que desenho e que colorido! É uma
roupa magnífica!
- Lá fora está o dossel sob o qual irá Vossa Majestade
tomar parte na procissão
disse o mestre de cerimônias.
- Ótimo. já estou pronto - disse o Imperador. - Acham
que esta roupa me assenta bem?
E novamente mirou-se no espelho, a fim de fingir que
se admirava vestido com a roupa nova.
Os camaristas, que deviam carregar o manto, inclinaram-se
fingindo recolhê-lo no chão e logo começaram
a andar com as mãos no ar. Também não se atreviam
a dizer que não viam coisa alguma.
O Imperador foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão
embaixo do luxuoso dossel e todos os que estavam
nas ruas e nas janelas exclamaram:
- Como está bem vestido o Imperador! Que cauda
magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!
Ninguém queria dar a perceber que não podia ver coisa
alguma, para não passar por tolo ou por incapaz. O
caso é que nunca uni a roupa do Imperador alcançara
tanto sucesso.
- Mas eu acho que ele não veste roupa alguma! -
exclamou então um menino.
- Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente! -
observou seu pai a quantos o rodeavam.
Imediatamente todo mundo se comunicou pelo ouvido
as palavras que o menino acabava de pronunciar.
- Não veste roupa alguma. Foi isso o que assegurou
este menino.
- O Imperador esta sem roupa! - começou a gritar o
povo.
O Imperador fez um trejeito, pois sabia que aquelas
palavras eram a expressão da verdade, mas pensou:
- A procissão tem de continuar.
E assim, continuou mais impassível que nunca e os
camaristas continuaram segurando a sua cauda invisível.

                                                          Autor do conto: Hans Christian Andersen

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